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Brasil e o mito da democracia racial

No Dia Internacional Contra a Discriminação Racial números ainda apresentam um país dividido pela desigualdade
Por: Katarina Bandeira 20/03/2018 - 13:25 - Atualizado em: 21/03/2018 - 09:26
Constituição de 1988 condena como crime o racismo e a injúria racial, mas na prática o caminho ainda é longo. Foto: Shutterstock
Constituição de 1988 condena como crime o racismo e a injúria racial, mas na prática o caminho ainda é longo. Foto: Shutterstock

O Brasil é um país racista. A frase, dita em voz alta, pode até causar espanto no brasileiro desavisado, que acredita que vivemos em um paraíso racial. O racismo nacional é “maquiado”, resultado de uma miscigenação histórica, que criou um leque de tons de pele, misturou culturas, mas que não excluiu o racismo. O preconceito racial no país, existe e segue firme e forte entre estatísticas de desemprego, homicídios, falta de acesso à educação, criminalidade, diferenças de salários e oportunidades e até em fantasias de Carnaval.

Mas, o que é racismo?

Ao pé da letra racismo é um tipo de discriminação social que se baseia no conceito de hierarquização racial. Ele pode se manifestar de diversas formas. Uma das mais recorrentes, por exemplo, é a invisibilização midiática para personagens na falta de papéis ofertados a pessoas de diferentes etnias. Outra forma de discriminação racial é quando ocorrem ofensivas físicas e verbais. O problema é que, por muito tempo, não se discutiu o racismo no Brasil. Fez-se piadas, criou-se formas de dizer que a beleza, fora do padrão branco europeu, era exótica, assim como todos os símbolos religiosos e culturais que vinham com ela. Falou-se de miscigenação e criou-se termos com mestiço, moreno e mulato, entre outras formas de embranquecer - mesmo que verbalmente, a cor que se multiplicava: a negra.

Por conta disso, por muito tempo o brasileiro acreditou no mito da democracia racial, na qual o racismo ou a falta dele, seria protagonista de belas histórias de igualdade, em que os diferentes povos constitutivos do povo brasileiro e seus mais variados tons de pele provariam a falta de preconceito de seu povo. Mas na prática, não é bem assim.

O racismo está nos dados

A cada 100 pessoas vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, informa o Atlas da Violência de 2017, estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) junto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o mesmo órgão, em 2015, dos quase 10 milhões de desempregados acima dos 16 anos, cerca de 2,7 milhões eram homens negros e 3,1 milhões eram mulheres negras, totalizando quase 6 milhões.

A desigualdade continua em outros recortes. Enquanto o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, entre 2003 e 2013, os homicídios de mulheres negras, no mesmo período, aumentaram 54,2%, segundo o Mapa da Violência de 2015,  pesquisa que também esmiúça o panorama nacional, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.

O mercado de trabalho também expõe suas diferenças. De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, produzido pelo Ipea, em 2015 a taxa de desocupação de mulheres negras era de 13,3% e a dos homens negros, 8,5%. Isso acaba sendo reflexo também da falta acesso à educação.  Entre 1995 e 2015, a população adulta branca, com 12 anos ou mais de estudo, duplicou de 12,5% para 25,9%. No mesmo período, a população negra com a mesma escolaridade, passa de 3,3% para 12%. Apesar do aumento, a disparidade ainda é grande, porque é importante lembrar que, no Brasil, 54% da população se autodeclara preta ou parda (que somadas são a população negra).

Indígenas e a capa da invisibilidade

Imagem: IBGE

Segundo o censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, existem 896.917 indígenas no Brasil, divididas em 305 etnias. Um número pequeno se compararmos as mais de 200 milhões de pessoas que vivem no país, hoje. Ao contrário do que se faz crer os estereótipos alimentados nas escolas primárias que fantasiam as crianças de “índios e índias”, apenas 57,7% estão em terras demarcadas o resto, migrou para os centros urbanos ou está espalhado em nosso país de proporções continentais.

E é nas terras que encontram-se os grandes problemas dos povos originários do país. Um relatório produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou que só em 2016, 118 indígenas morreram por conta de conflitos no Brasil, número divulgado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), unidades ligadas ao Ministério da Saúde. A maioria acontece por conta de conflitos relacionados a demarcação de terras, sem a qual a população nativa brasileira não tem como perpetuar sua cultura.

É importante entender que apesar da Constituição de 1988 ter estabelecido que os direitos dos povos indígenas sobre as terras brasileiras, é tradicionalmente de natureza originária, sendo também bens da União, a batalha para garantir seu uso é constante e cada vez mais difícil.

Violação dos direitos à igualdade étnico-racial

Existem no Brasil diversos órgãos de proteção e promoção dos direitos humanos que podem ser utilizados por pessoas vítimas de racismo e discriminação. Caso crimes dessa natureza sejam identificados a primeira providência, para que seja instalado um inquérito, é registrar uma queixa em uma delegacia de polícia, seja ela especializada no combate à discriminação racial ou não. Só depois o caso poderá ser encaminhado à justiça.

No caso de injúria racial (Lei nº 9.459/1997), existe a necessidade da presença de advogado ou defensor público. Através dela é possível obter a reparação civil pelos danos sofridos. Por último, para violações de direitos como os das comunidades quilombolas ou quando houver veiculação de mensagens racistas em meios de comunicação, os órgãos a serem contatados são as Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão nos estados, a Defensoria Pública da União ou a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. No caso de discriminação existente no mercado de trabalho, o órgão a ser contatado é o Ministério Público do Trabalho.

Não deve-se deixar o racismo passar em brancas nuvens.

Origem da data

Em 21 de março de 1960, aproximadamente vinte mil pessoas protestavam pacificamente contra a “Lei do Passe”, em Joanesburgo, na África do Sul, até serem massacradas pela polícia sul-africana. A lei em questão obrigava a população negra a andar com identificações que limitavam a circulação delas na cidade. Tropas militares do Apartheid atiraram e mataram 69 manifestantes, além de ferir cerca de 180 pessoas durante o confronto.

A violência gratuita chamou atenção das Organização das Nações Unidas (ONU), que usou a data para criar, em 1966, o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, em memória ao “Massacre de Shaperville”.

 

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