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Liberdade acima de tudo. Deuses na fé de cada um

Os diversos segmentos religiosos ganham força e conquistam espaços no Brasil. Entretanto, as manifestações religiosas de matriz africana convivem com o preconceito e casos de intolerância
Elaine Guimarães Por: 18/01/2019 - 17:07 - Atualizado em: 18/01/2019 - 17:11

Aos pés do Cristo, Orixás ou Jurema, por meio de súplicas, orações e cânticos, o sentimento de fé e devoção nasce e se manifesta de forma inexplicável nas pessoas. Os diversos segmentos religiosos ganham força e conquistam espaços no Brasil. Entretanto, algumas manifestações religiosas, como a Umbanda e Candomblé, convivem com o preconceito e casos de intolerância.

Nesta segunda-feira (21) é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.  Instituída em novembro de 2007, a data é uma rememoração ao falecimento da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), em janeiro de 2000, vítima de intolerância religiosa por ser praticante de religião de matriz africana. Na época, a Iyalorixá foi acusada de charlatanismo e teve a casa invadida. Diante do ocorrido, a sacerdotisa sofreu um infarto e veio a óbito. Logo, o dia se tornou sinônimo de luta e resistência.

As  atuais estatísticas apontam que ocorrências de preconceito religioso são recorrentes. Como reação, a comunidade religiosa transformou anos de intolerância em denúncias através do ‘Disque 100’, canal criado pelo Ministério dos Direitos Humanos, e por meio dos atos de resistência. De acordo com dados divulgados pelo órgão governamental, entre os meses de janeiro e junho de 2018 foram registrados 210 casos de intolerância religiosa. O levantamento também apurou os anos entre 2015 e 2017. Confira o resultado da pesquisa realizada pelo  Ministério dos Direitos Humanos:

 

 

 

"Tudo aquilo que corresponde ao povo negro é marginalizado"

Em uma reflexão histórica-antropológica, a intolerância religiosa surge a partir da construção e visão monoteístas das religiões. O professor de história  Luiz Neto reverbera sobre esse pensamento e construção social. “No mundo monoteísta, o meu Deus existe, enquanto o do outro, não existe. Logo, quanto mais as religiões deste segmento foram sendo desenvolvidas, mais conflitos religiosos foram acontecendo. Sendo assim, a intolerância surge no momento em que eu parto do pressuposto que só o meu Deus existe”, destaca.

O docente aponta que os casos de intolerância estão em consonância com o preconceito vigente no país. “O racismo, atualmente, está escondido nas entrelinhas. Ele na religiosidade é um exemplo disso. As religiões de matriz africana e indígena sofrem os mesmos preconceitos, só que no campo do sagrado, do que outras manifestações culturais do povo negro. Tudo aquilo que corresponde ao povo negro é marginalizado, desde a sua música, roupa até o cabelo. Obviamente, na religião, isso vem um pouco mais forte, porque as religiões trazidas pelo povo branco, como o cristianismo, dão a entender que a Umbanda e Candomblé profanam e possuem sincretismos com o diabo. A crença nos Exús, que é uma figura, que para a Umbanda é um mensageiro, mas dentro do cristianismo, ele é caracterizado como lúcifer”, explana.

“Saí em defesa do meu povo, da minha essência”

No dia 9 de junho de 2016, o sacerdote da Jurema, Alexandre L'Omi L'Odò, acompanhado do afilhado, Henrique Falcão, foi vítima de preconceito religioso durante ida à casa de axé Ilé Iyemojá Ògúnté. L'Omi L'Odò contou que ao entrar no ônibus, um vendedor ambulante iniciou uma pregação. "Na ocasião, eu não estava a caráter. Apenas usava minhas guias e isso foi suficiente para que ele começasse a direcionar as palavras a mim. Em determinado momento da fala dele, referiu-se ao  babalorixá Ivo de Xambá como 'um negão pai de chiqueiro'. Diante da colocação, eu reagi", relata.

As palavras do ambulante instigaram a reação de alguns ocupantes do coletivo, que também se manifestaram contra os argumentos do juremeiro. “Eu saí em defesa do meu povo, da minha essência. Ele, por sua vez, piorava o discurso e me chamou para a briga. Não fomos as vias de fato, mas rebati tudo que ele e os outros passageiros falavam. A confusão foi tamanha, que os fiscais do terminal de ônibus chegaram a intervir na situação. No entanto, eu que era a vítima, fui instruído a descer do ônibus. Falei que paguei a passagem e que seguiria no coletivo. Diante da minha recusa, seguimos viagem. No entanto a discussão só acabou quando cheguei ao meu destino”, relembra.

Após o caso, Alexandre, que fez parte da primeira gestão do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa durante o governo de Dilma Rousseff, levou a denúncia contra o Consórcio de Transportes  para o Ministério Público. Mas, a queixa foi arquivada. “Esta reação do Ministério Público mostra o racismo que há na esfera jurídica. Mesmo diante dos fatos, a denúncia não foi levada adiante. A empresa de transportes me acusou de ser o vetor da confusão e afirmou que eu teria agredido o vendedor”,

aponta o juremeiro.

O que diz a legislação

A liberdade religiosa e a proteção aos cultos e tradições são asseguradas pela Constituição Federal, de 1988. Os crimes de  intolerância religiosa são previstos por Lei e passíveis de pena. José Roberto, advogado e professor de direito, explica como essas ocorrências configuram o código penal.

"O não respeito a liberdade religiosa ocasiona duas situações. A primeira é a violação a Lei do Preconceito, quando o ataque é direcionado a uma raça. A segunda possibilidade, que tolhe a liberdade religiosa ou impede a realização de um culto, é um crime previsto no código penal", explica.

De acordo com o jurista, as vítimas de intolerância religiosa devem pleitear a questão criminal, ou seja, formalizar uma denúncia em uma delegacia munidas de provas e, caso tenha, testemunhas do ocorrido. "Além da denúncia, as vítimas podem requerer uma reparação civil por esses danos e se isso acontecer na esfera trabalhista, elas podem reivindicar uma indenização na Agência do Trabalho", pontua o advogado.

O docente explica que a pena prevista para este crime é de reclusão por dois meses a cinco anos. “Todos os crimes, cuja pena máxima vai até quatro anos, são afiançáveis pelo próprio delegado do caso. No entanto, as penas abaixo de dois anos não são passíveis de fiança, porque está abrangida pela lei 9099/95. Mas, além do preconceito, por a pena está acima de cinco anos, o acusado não pagaria fiança e caberia a possibilidade de juizado”, esclarece. “A liberdade religiosa está envolta também na questão racial, já que algumas religiões são de origem africana e muita gente tem preconceito com essas religiões”, conclui José Roberto.

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