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Existe dependência de exercícios físicos?

Por: 27/03/2019 - 14:50 - Atualizado em: 08/04/2019 - 16:50
A imagem mostra uma pessoa andando em uma esteira
Existe dependência de exercícios físicos?

Por Prof. Me. Luiz C R Vieira, Coordenador do Curso de Educação Física (bacharelado) da UNAMA - Centro Universitário da Amazônia

 

Na formação inicial em Educação Física, tem disciplina que trata do conhecimento produzido na área da Psicologia (geralmente é citada por alunos como atraente). Há, por meio dela, possibilidades de entendimentos de sua aplicação no estudo do homem que se movimenta e pratica esporte na sua conduta.

Foi, então, lendo alguns textos de uma extraordinária referência brasileira, o prof. Dr. Marco Túlio de Mello (Professor Titular do Departamento de Esportes da Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, bolsista de produtividade em pesquisa 1A), que passei a dar mais atenção, na minha carreira, aos aspectos psicobiológicos, uma espécie de confluência da Psicologia e da Educação Física (em sua abordagem biológica).

A relação entre o exercício físico e os aspectos Psicobiológicos, como citaram Mello e colaboradores (2005), era um assunto pouco explorado. Atualmente, ainda que já tenhamos uma expressiva produção científica nesse contexto, muitas são as pessoas que desconhecem essa associação.

Portanto, podemos dizer que os principais aspectos da psicobiologia são os transtornos alimentares, sono, estresse, ansiedade, depressão, memória e aprendizagem relacionados ao exercício físico. Logo, a análise contida neste texto, é a questão da existência de dependência de exercícios físicos. Isso é possível? Caso sim, qual a explicação para tal situação?

De início, é fundamental uma posição consistente com base em Mello e colaboradores (2005) de que a prática do exercício físico gera resultados positivos no organismo. Segundo eles, “O exercício físico provoca alterações fisiológicas, bioquímicas e psicológicas, portanto, pode ser considerado uma intervenção não-medicamentosa para o tratamento de distúrbios relacionados aos aspectos psicobiológicos”. Por isso, acrescento que o estudo tal psicobiologia chega a ser “ouro” para outras áreas do conhecimento.

De que o exercício físico gera benefícios, isso já temos noção. Mas, o interessante é entendermos que existem pessoas que passam a gerar prejuízos a sua própria saúde pelo envolvimento na prática devido a fatores, como intensidade e/ou frequência. Esse é justamente o caso de indivíduos com dependência de exercícios físicos.

A síndrome de dependência de exercício, em definição fundamentada em Rosa, Mello e Souza-Formigoni (2004), é um padrão multidimensional (de componentes fisiológicos e psicossociais) mal adaptado da prática de exercícios, que acarreta prejuízos à saúde ou ao bem-estar.

O aumento crescente de competições (como triatlo e ultramaratona) que exigem muito dos participantes, dos seus limites físicos e psicológicos, pode estar relacionado ao aumento de dependência em função do número crescente de adeptos.

Apenas ultrapassar os limites físicos e psicológicos não explica a existência desta síndrome. Aspectos reforçadores primários à prática excessiva de exercícios físicos são os modelos apresentados pelas teorias com fundamentos fisiológicos. Estas reportam que o estado/sensação de prazer decorrente da prática dá-se pela liberação de neurotransmissores envolvidos nos mecanismos neurais de reforço. Tais neurotransmissores, também chamados de “drogas endógenas”, seriam a dopamina e os opióides endógenos (que apresenta as mesmas propriedades bioquímicas de opióides exógenos, como as drogas de abuso heroína, cocaína, morfina e anfetaminas). “O aumento da disponibilidade de alguns neurotransmissores, induzido pela prática de exercícios físicos, poderia, ao menos em teoria, levar ao desenvolvimento de dependência” explicam Rosa, Mello e Souza-Formigoni (2004, p.64).

Claro, nem todos apresentam sensação de prazer após a prática de exercícios físicos. Por isso que outros modelos focam os aspectos reforçadores secundários à prática, como a preocupação excessiva com o peso e com a imagem corporal, melhoria do bem-estar psicológico/estados emocionais positivos.

Nas poucas pesquisas brasileiras sobre o tema dependência de exercícios físicos, é soberano o enfoque nos aspectos reforçadores secundários, como pode ser observado nos estudos de Antunes et al. (2006) e Soler et al. (2013).

Antunes et al. (2006) investigaram 17 atletas de corrida de aventura com mínimo de três anos de experiência. Utilizaram a Escala de Dependência de Exercício, instrumento de medida do original Negative Addiction Scale traduzida e validada, podendo ser encontrado na obra de Rosa, Mello e Souza-Formigoni (2004). Nos atletas, foram encontrados dados indicativos de dependência de exercício, mas não sua interferência nos estados de humor e na qualidade de vida dos corredores.

Soler et al. (2013) realizaram estudo com público maior. Foram 151 frequentadores de academia e 25 fisiculturistas, todos do sexo masculino, aos quais foi aplicada outra Escala de Dependência de Exercício, menos utilizada em estudos nacionais. Os fisiculturistas apresentaram maior tempo de prática e uma frequência semanal superior, mas a duração da sessão de treino era superior nos frequentadores. Os pesquisadores observaram que nas dimensões de que tratam a dependência ao exercício, os níveis não diferiram nos dois grupos e ambos não se apresentaram dependentes, ainda que alguns foram classificados “em risco” (estes foram detectados com níveis médios superiores de vigorexia). A conclusão do estudo é que o nível de vigorexia afeta o nível de dependência ao exercício.

Uma vez que os aspectos reforçadores secundários interessam mais nesta minha análise, vale fechar o texto com o breve e denso fragmento de Soler et al. (2013, p. 343): “Atualmente, a aparência é sinônimo de sucesso, saúde e determinação. De modo que a sociedade moderna oprima os indivíduos a seguir padrões estereotipados de beleza. E como herança dessa sociedade capitalista e egoísta surgem os transtornos psíquicos da aparência e as dependências psíquicas a eles associadas”.

 

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